Texto Nu | Passos Sobre o Medo: Entre Minas, Memória e Promessas

 


Na terra vermelha de Cuito Cuanavale, o silêncio não é só ausência de som. É também medo enterrado. Medo que se camufla no chão, em artefactos esquecidos pela guerra, mas lembrados diariamente por quem ali vive. Medo que pulsa por debaixo dos pés.

Foi nesse mesmo chão que o príncipe Harry caminhou, nesta quarta-feira. Não o chão cerimonial dos palácios — mas o chão da Angola ferida, ainda cravada de cicatrizes explosivas. Vestiu um colete à prova de bala. Não por espetáculo. Por necessidade. Caminhou entre as minas, tal como a sua mãe — a princesa Diana — o fizera, há 28 anos, em Huambo. E nessa repetição, há mais do que homenagem: há continuidade, há coragem. Há uma lembrança com propósito.

Harry não veio falar. Veio calcar o risco. Veio dizer com os pés aquilo que o mundo esquece com a pressa: Angola ainda sangra em silêncio.

A organização HALO Trust, que desde 1994 desafia a morte enterrada, é a mesma que guiou Diana na década de 90. É também a que guia hoje a nova geração que ousa acreditar que o chão pode voltar a ser chão — e não armadilha.

Segundo dados recentes, ainda há milhares de minas terrestres escondidas no país. Minas que não distinguem soldados de crianças. Minas que não envelhecem, não caducam. Minas que esperam. Minas que matam. Minas que mutilam memórias e amedrontam os passos.

O presidente João Lourenço reforçou a meta: tornar Angola livre de minas até 2027. Mas promessas têm prazo. E as minas, paciência. O futuro depende de mais do que palavras. Depende de ação, financiamento, e sobretudo, do reconhecimento de que desminar é devolver dignidade.

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